INOCÊNCIA


INOCÊNCIA
por Broto Verbo




INOCÊNCIA

Da inocência guardo a saudade
de ver o mundo como uma criança.
Fantasiando a realidade,
tendo a magia como aliança.

Quimera plácida das certezas,
um prisma de plenas convicções!
Ter o poder e ter as destrezas
de ilimitadas vãs aptidões…

Sabedoria das utopias…
Pureza inata de quem se alimenta
no delírio fértil dos seus dias!
Febril o estado que não se ausenta…

Enormes façanhas de viris heróis…
Há fadas e gnomos que dominam a fala!
E nem o calor de mais de mil sóis
nos tolhe a fábula que nos regala… 

E os nossos pais? Esses nunca morrem!
São imortais os endeusados seres!
E as histórias em que nos envolvem
sustentam parte dos nossos prazeres!

Saudade tanta dessa inocência
de fiar sempre e com muito apuro!
Ter na cegueira dessa ignorância
a felicidade no seu estado puro…

BANDEIRA DO LIVRE PENSAMENTO

BANDEIRA DO LIVRE PENSAMENTO
por Broto Verbo

Na guerra oculta que há dentro de nós,
garimpam-se luzes e significados…
É uma busca faminta, é uma busca incessante.
É uma busca imparável de sortes e fados.

Cometem-se crimes de uma forma atroz...
Atiçam-se os medos que pairam em nós...
Incute-se, à força, a lei de uma só voz,
nas ordens de fardas e de baionetas...

E mesmo que cego há quem tenha a fé
de avistar além de cada rosário,
fazendo da ilusão um finca-pé,
dizendo que vê vida,
mesmo vendo o contrário!

Na graça de Deus vejo a salvação.
É a porta que se abre à eternidade!
Herege será quem me diga que não
e ouse negar esta minha verdade…

Pela graça de Deus,
ergo as mãos aos céus esperando um sinal…
(Que nunca vem…)
(Nem nunca virá...)

Que a insanidade me tolha esta crença!
E que a surdez me dê paz do ruído
das vozes que cá dentro bradam com força,
e que fazem de mim marioneta e arguido…

A bandeira do livre pensamento,
cobrir-me-á urna ao descer à terra…

VISCERAL

VISCERAL
por Broto Verbo

Serpenteia! Serpenteia!
Até eclodirem os teus vasos sanguíneos,
inchados pelo veneno que fede
no aroma pérfido da tua aura…

Chicoteia! Chicoteia!
Esse teu dorso raquítico, essa tua pele flácida,
pontificada pelos sinais luzidios
que despontam na gordura dos teus poros...

Regurgita! Regurgita!
Esse teu bolo indigesto acumulado,
que leveda no bafo das tuas entranhas
onde os gazes infectos se atrofiam…

Ressuscita! Ressuscita!
Dessa tua agonia lenta que te afunda e apoquenta.
Ergue-te desse leito atroz de enzimas e podridão,
e expurga-te no alívio brutal de uma real defecação...

Depurar na penitência, ou rebentar como uma castanha?
Eis a questão...

CURA

CURA
por Broto Verbo

De me encontrar me perco nesta procura...
E se na dor sustento amarga doença,
mesmo que sinta plena a loucura,
da cura ainda me resta a crença...

CRUDE ESPESSO

CRUDE ESPESSO
por Broto Verbo

Escrevo letras de improviso como se espasmos soltasse...
Não há controlo, não há regra, não há trela que me cesse!
Solta-se a fúria à revelia na madrugada que espera
as mil memórias em pedaços na anarquia que impera.

Tento o escape pela noite porque o dia me tem preso.
Encontro o mar onde mergulho, revolto, e de crude espesso.
Fecho agora o meu passado e o presente a sete chaves.
No horizonte talho o espaço para voar como as aves…

Neste crude espesso são embargados os momentos
numa cruel lobotomia que me tira os sentimentos.
Crude espesso! Crude espesso!
Será que és mais macio do avesso?

E o vento forte que me beija traz veneno à mistura,
num gesto falso que me arrasa e que me priva de uma cura!
No quente de uma cama mordo a flanela que me agacha,
e na almofada confidente encerro a vida numa caixa.

Se me quedo ao abandono definho como um vadio,
prostrado numa lamacenta margem pérfida de um rio.
E para me querer erguer deste poço que me afoga,
tenho que vencer esta vida que sempre me pôs à prova.

Neste crude espesso são embargados os momentos
numa cruel lobotomia que me tira os sentimentos.
Crude espesso! Crude espesso!
Será que és mais macio do avesso?




Broto Verbo - Crude Espesso (2007)

PENUMBRA

PENUMBRA
por Broto Verbo

Feitiço que em mim te puseste
e me conduzes ao desespero…
Aparta-me da deriva
que no eixo eu me quero,
e veste-me a alma de luz
que do escuro eu tenho medo!

Tremem-me as mãos qual gelatina
nas incertezas do meu destino…
Gélido o vento que me sopra
no compasso da longa espera…

Qual de mim não sou eu
que no espelho se vislumbra?
Lancem-me o anzol que a dor não me importa
se para sair for desta penumbra…